Coordenação e Seleção de Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS) em Instalações Elétricas

A crescente complexidade e densidade das instalações elétricas modernas exige estratégias criteriosas de proteção contra surtos transitórios. O surgimento de dispositivos eletrônicos sensíveis e os riscos associados às descargas atmosféricas e manobras na rede tornam a escolha e coordenação de Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS) um tema central para a continuidade operacional e integridade dos sistemas.

Neste artigo, serão abordados em profundidade os critérios técnicos e normativos para seleção e coordenação de DPS, destacando metodologias, pontos críticos de avaliação, parâmetros normativos e procedimentos para sistemas coordenados de proteção. A finalidade é subsidiar a tomada de decisão técnica para especificação, instalação e manutenção de DPS em diferentes cenários de risco elétrico.

Confira!

Sumário

Critérios Normativos

Todo DPS deve atender a requisitos definidos em normas aplicáveis, como a IEC 61643-1 e IEC 61643-11, e ser especificado conforme os seguintes parâmetros essenciais:

  • Nível de proteção (Up): O valor de Up do DPS deve ser compatível com o nível de suportabilidade dos equipamentos de acordo com sua categoria de instalação. Recomenda-se que o Up seja inferior à suportabilidade de impulso dos dispositivos na instalação.
  • Tensão máxima de operação contínua (Uc): Uc deve ser superior à tensão nominal máxima do circuito em que o DPS será instalado.
  • Suportabilidade a sobretensões temporárias (TOV): O DPS deve suportar sobretensões temporárias típicas da instalação.
  • Corrente nominal de descarga (In) e corrente de impulso (Iimp/Imax): Define a capacidade de condução do DPS frente a surtos de alta energia, devendo ser compatível com o risco de surto da instalação (por exemplo, descargas atmosféricas diretas ou indiretas).
  • Suportabilidade à corrente de curto-circuito: O DPS deve possuir resistência adequada à corrente de falta disponível no ponto de instalação.

Adaptação à Localização e Parâmetros da Instalação

A seleção do DPS também deve ser feita considerando a posição na instalação (entrada da estrutura, quadros de distribuição, proximidade de cargas críticas) e a corrente máxima esperada para cada ponto. Em locais expostos a descargas atmosféricas diretas, DPS com maior capacidade de condução de corrente de impulso são mandatórios, enquanto em quadros internos, DPS de menor capacidade podem ser utilizados complementando a estratégia de coordenação.

Instalar DPS em série (em cascata) ou em múltiplos pontos da instalação requer coordenação cuidadosa para assegurar a divisão eficaz da energia dos surtos, evitando a sobrecarga de dispositivos individualmente e garantindo a proteção em todas as zonas da estrutura (Zonas de Proteção contra Surtos – ZPR).

Práticas de Coordenação

  1. Coordenação energética: DPS instalados em cascata devem ter suas capacidades energéticas dimensionadas e coordenadas conforme IEC 61643-12 ou IEC 61643-22, garantindo que, em caso de surto de grande porte, o DPS mais a montante absorva a maior parte da energia, protegendo os DPS a jusante.
  2. Proximidade aos equipamentos: Quanto mais próximo o DPS estiver do equipamento a ser protegido, mais efetiva será a redução da tensão residual no ponto de interesse.
  3. Seção e comprimento dos condutores: As interligações dos DPS devem ser feitas conforme valores mínimos estabelecidos em norma para seção e com o menor comprimento possível, minimizando o acréscimo de impedância e a elevação do Up.
  4. Coordenação em zonas: Recomenda-se a instalação de sistemas coordenados de DPS na entrada dos condutores (fronteira ZPR 1), em pontos intermediários, e nas proximidades dos equipamentos internos.

Procedimento para Instalação de Sistema Coordenado de DPS

  • Instalar DPS primário na entrada da estrutura respeitando os parâmetros de capacidade de condução de corrente de descarga atmosférica e Up compatível com o sistema.
  • Determinar a suportabilidade a impulso do sistema interno, de modo a garantir que o Up dos DPS subsequentes seja inferior a este valor.
  • Dimensionar DPS secundários para absorção de eventuais componentes residuais, localizando-os o mais próximo possível das cargas sensíveis.

Convém que o fabricante do DPS forneça informações suficientes para possibilitar a correta coordenação entre dispositivos de diferentes características.

Múltiplos fatores determinam o estresse a que um DPS estará submetido ao longo de sua vida útil. Entre eles destacam-se a densidade de descargas atmosféricas na região, a localização na instalação, o tipo de sistema de aterramento, a topologia do circuito e o regime operacional do sistema protegido.

Quantificação Estatística e Avaliação Técnica

  1. Estimar, por métodos estatísticos e registros históricos, o nível provável de solicitações por surtos (número anual de incidências, energia média e picos).
  2. Analisar fatores de compartilhamento de corrente entre diferentes DPS coordenados. Deve-se considerar que o caminho de menor impedância irá conduzir a maior fração da energia do surto.
  3. Selecionar características nominais de Iimp, Imax, In e Uc adequadas, levando em conta o estresse máximo previsto e as condições específicas do local.
  4. Levar em consideração fatores ambientais, temperatura ambiente e envelhecimento acelerado devido a regimes severos de operação.

A coordenação ineficiente pode acarretar transferência indevida de energia a DPS de menor capacidade, prejudicando a seletividade e reduzindo a vida útil dos equipamentos.

Principais Condições Técnicas

Na seleção do DPS em cada ponto do sistema, recomenda-se verificar as seguintes condições:

  • Nível de proteção (Up): Compatibilidade com a categoria dos equipamentos protegidos.
  • Tensão máxima de operação contínua (Uc): Superior à tensão máxima em regime permanente.
  • Corrente de descarga e impulso (In, Iimp, Imax): Capacidade compatível com a energia dos surtos incidentes
  • Capacidade de suportar curtos-circuitos: Adequada ao poder de interrupção do sistema eletroenergético no ponto de instalação.

Exemplo de Fluxo para Seleção e Coordenação

  1. Avaliação do risco e determinação da necessidade de DPS primários e secundários.
  2. Definição dos valores de Up e Uc para cada local.
  3. Especificação das capacidades de corrente conforme análise de risco elétrico.
  4. Verificação das exigências de coordenação quando houver cascata de DPS.
  5. Ajuste de seções de condutores e da disposição física dos DPS conforme o projeto executivo.

Boas Práticas de Instalação

  • Garantir que o DPS esteja fisicamente o mais próximo possível do ponto de proteção, minimizando trajetos de conexão.
  • Utilizar seções mínimas de condutores adequadas para ligação dos DPS, conforme tabela normativa.
  • Caso necessário, proteger o DPS contra sobrecorrentes com dispositivos dedicados, garantindo integração harmônica ao sistema de proteção.
  • Observar o tipo de sistema de aterramento e ajustar a topologia da proteção de acordo com as exigências técnicas e de segurança.

Manutenção e Verificação

  • Inspecionar regularmente o estado dos DPS, substituindo unidades que tenham sofrido degradação significativa.
  • Monitorar indicadores integrados de status e registrar intervenções de manutenção preventiva e corretiva.
  • Realizar ensaios, quando requerido, para comprovar a capacidade de resposta dos dispositivos após surtos severos.

A gestão criteriosa da coordenação e seleção de DPS é fator-chave na resiliência de sistemas elétricos diante de eventos transitórios de alta energia. A correta especificação, baseada em avaliação técnica, parâmetros normativos e respectiva coordenação energética, assegura proteção robusta para equipamentos e processos, reduzindo custos com manutenções corretivas e paradas não programadas. A valorização das práticas descritas neste artigo contribui para instalações mais seguras, duráveis e adaptadas a regimes operacionais exigentes. Recomenda-se que cada projeto seja avaliado singularmente, considerando peculiaridades técnicas e de risco, e que haja integração entre especificação, instalação e manutenção do sistema coordenado de DPS como parte do ciclo de gestão de ativos elétricos.

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